‘Virou um grande lixão’, diz deputado federal ao ver aparelho de radiografia em desuso e sala desativada durante vistoria no Inca

Deputado
Ex-secretário de saúde do Rio de Janeiro, Daniel Soranz, investiga e faz vistoria no INCA no centro do Rio Entra em uma sala fechada de radiografia com alguns equipamentos quebrados e esquecidos. Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo

O Globo – 18/04/2023

De acordo com o censo hospitalar, a unidade I do Instituto Nacional do Câncer, que fica na Praça da Cruz Vermelha, no Centro, funciona com 63% da taxa de ocupação geral

O deputado federal Daniel Soranz (PSD-RJ), representando a Comissão de Fiscalização Financeira e Controle, realizou visitas técnicas ao Instituto Nacional do Câncer (Inca) nesta segunda-feira. A vistoria acontece em meio a apresentação do relatório criado por uma comissão técnica criada no atual ministério, que expõe a crise e falta de gestão nos hospitais federais do Rio. Apesar de não constar no relatório, durante a passagem por uma das unidades, enquanto pacientes esperam por atendimento, foi possível identificar que uma máquina de radioterapia estava em desuso, que segundo a equipe de fiscalização, foi desativada no ano passado. Se estivesse funcionando, o equipamento poderia aumentar a capacidade de atendimento em 30%.

De acordo com o censo hospitalar, a unidade I do Inca, que fica na Praça da Cruz Vermelha, no Centro, funciona com 63% da taxa de ocupação geral. Uma parte das vagas está fechada por questão estrutural — falta de insumos médicos, de profissionais como médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem — e por erro no cadastramento dos leitos.

— É uma situação desesperadora ver uma sala completamente desativada dentro de uma unidade hospitalar, em condições que não tem nem como explicar. Isso poderia aumentar a capacidade desse hospital em 30%. Mas a gente vai cobrar, numa ação que já está judicializada no Ministério Público Federal, para que a gente tenha clareza de quando essa sala vai voltar a funcionar e quando os pacientes vão voltar a serem atendidos nesse espaço que virou um grande lixão — disse o deputado ao encontrar a sala desativada.

Na unidade Inca II, em Santo Cristo, Soranz e a equipe da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle encontraram uma ala do Centro Cirúrgico do Hospital do Câncer II totalmente fechada. Ainda de acordo com o censo hospitalar, a taxa de ocupação da unidade está em 40%, com alguns leitos abertos e outros fechados para obras.

— Outra situação estrutural terrível, vários setores fechados, vários leitos inativos por falta de recursos humanos ou por condições estruturais, problemas de materiais inservíveis ou lixo que já poderiam ter sido jogados fora nas enfermarias. É preciso gestão. A gente não espera ter essas unidades com a capacidade ociosa que tem hoje — continuou Soranz.

Em nota, o Hospital Nacional do Câncer informou que “nesta segunda-feira (17), acontece uma obra pontual no Centro Cirúrgico do Hospital do Câncer II (HC II)”. Segundo a unidade, o retorno total das atividades do setor será na próxima terça-feira, que só foi fechado para reduzir o impacto na rotina dos pacientes.

Outro ponto de atenção foi a área vazia na Praça da Cruz Vermelha ao lado do prédio onde pacientes aguardam atendimento. O terreno cedido pelo estado à União foi ocupado durante anos pelo Hospital Central do Instituto de Assistência dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro (Iaserj), demolido no fim de 2012 para dar lugar ao novo complexo do vizinho Instituto Nacional do Câncer (Inca). O prédio, que seria construído a um custo de R$ 500 milhões, em valores da época, iria abrigar um centro de pesquisas e concentrar atividades distribuídas por 18 unidades do instituto na cidade.

— A obra está parada desde 2012 e salvaria muitas vidas se estivesse funcionando. No ambulatório, vemos uma grande quantidade de pacientes com câncer apertados esperando por atendimento. É uma situação muito difícil para quem precisa de tratamento — disse o deputado. — O novo Inca seria uma referência para o estado e também para o Brasil. É um hospital que sempre deu orgulho para a população brasileira e precisa ser retomado.

O diretor do Inca, Roberto Gil, explicou que o instituto é responsável em radioterapia por 60% dos atendimentos da cidade do Rio de Janeiro, cirurgia oncológica em mais de 40% e em consultas de quimioterapia em mais de 35%. Ele diz que os hospitais estão cumprindo o seu papel com a população, mas reafirma que a integração das unidades agregaria o sistema operacional, de ensino e pesquisa do instituto.

— É preciso entender a situação predial do Inca. Nós temos quatro unidades em pontos diferentes da cidade. Uma integração dos prédios, do ponto de vista operacional, de ensino, pesquisa e assistência, seria fantástico. É preciso retomar a ideia de qual vai ser nosso plano estratégico de investimento — afirmou o diretor.

Roberto Gil disse, ainda, que é preciso uma definição por parte do Ministério da Saúde sobre o que deve ser feito no Inca: se vai ser construído um campus, se vai ser em módulos, integral ou se vai investir na estrutura atual.

Procurado pelo GLOBO, o diretor do Departamento de Gestão Hospitalar no Rio de Janeiro, Alexandre Oliveira Telles, disse que o Inca não entrou no relatório porque ele cuida apenas dos seis hospitais citados pela comissão técnica: Hospital do Andaraí, Hospital de Bonsucesso, Hospital Cardoso Fontes, Hospital de Ipanema, Hospital da Lagoa e Hospital dos Servidores, e que os institutos não se subordinam a sua equipe.

O GLOBO questionou o Ministério da Saúde, mas ainda não obteve retorno.

O relatório sobre a precaridade dos hospitais

  • Hospital do Andaraí

O hospital, localizado na Zona Norte do Rio, está com obras do setor de emergência paradas há pelo menos cinco anos. A unidade coronariana não funciona. O décimo andar, onde ficava a antiga maternidade, está interditado por obras que não foram concluídas. Já a expansão do Centro de Tratamento de Queimados funciona de forma parcial, por conta das obras abandonadas.

Por falta de mão de obra e equipamentos, foram interditados oito leitos do Centro de Tratamento Intensivo (CTI) no oitavo andar, seis leitos de enfermaria, quatro leitos de recuperação pós-anestésica, três salas de pequenas cirurgias e a emergência pediátrica.

Para os próximos meses, duas inaugurações estão previstas no Hospital do Andaraí: a abertura do setor de oncologia e o primeiro centro de radioterapia da rede federal.

  • Hospital de Bonsucesso

A unidade, na Zona Norte do Rio, teve vários setores fechados, como ala de pós-operatório, diálise peritoneal, cardiologia — todos por falta de equipamento e pessoal —, além de quatro salas de cirurgia, 18 leitos leitos de enfermaria e 140 da expansão pediátrica.

Segundo o relatório, 80% dos equipamentos disponíveis (desfibrilador, oxímetro, estetoscópio, eletrocardiógrafo, maca hospitalar e mesa auxiliar, entre outros) estão obsoletos.

  • Hospital Cardoso Fontes

A situação de penúria se repete na unidade federal localizada em Jacarepaguá. O hospital fechou a expansão da cirurgia pediátrica e o espaço físico da antiga urologia, utilizado como enfermaria da clínica médica. O centro cirúrgico ambulatorial tem 44 leitos impedidos. Além disso, 18 leitos de enfermaria, três de pneumologia e o centro cirúrgico ambulatorial de pequenos procedimentos seguem interditados para atendimento.

  • Hospital de Ipanema

Na Zona Sul, o Hospital Federal de Ipanema está com dez leitos do setor de pós-operatório fechados. A unidade teve dez salas de atendimento, seis leitos de centro cirúrgico e três salas de cirurgia interditados.

  • Hospital da Lagoa

No hospital, localizado também na Zona Sul do Rio, não funcionam as unidades coronariana, de pós-operatório e a ala semi-intensiva do sétimo andar. Além disso, quatro salas de cirurgia e 34 leitos de enfermaria foram fechados por falta de equipamentos.

  • Hospital dos Servidores

Localizado na Zona Portuária, o Hospital dos Servidores, que atende pacientes de todo o estado, apresenta situação ainda mais grave. A unidade não está realizando exames de cateterismo por falta de equipamento. Quatro leitos do Centro de Tratamento Intensivo (CTI) no 11° andar, 76 leitos de enfermaria, 15 leitos de cirurgia geral e seis salas de cirurgia geral estão fechados por falta de mesa cirúrgica, macas e equipamentos básicos.

Dois leitos da unidade coronariana, três de otorrino, quatro de urologia, quatro de pediatria, além das alas de neurocirurgia, bucomaxilo e cirurgia, não estão funcionando por falta de médicos especializados e equipamentos específicos, aponta o relatório.

Equipamentos obsoletos

No Hospital de Bonsucesso, 80% dos equipamentos estão obsoletos. A unidade é a que mais tinha leitos impedidos na época das visitas: 140 (no fim de março eram 120, segundo o censo hospitalar). Recentemente, oito leitos de clínica médica e seis da unidade coronariana foram reabertos.

Durante a vistoria em Bonsucesso, técnicos encontraram as alas de pós-operatório, diálise peritoneal e cardiologia fechadas, além de 18 leitos de pediatria impedidos e quatro salas de cirurgia interditadas. Atualmente, o hospital está funcionando com 15 leitos de pediatria, todos ocupados.

Segundo o censo hospitalar, as UTIs para atendimento de alta complexidade também funcionam com baixa capacidade. Dos 171 leitos oferecidos na rede federal do Rio, 88 estão impedidos — sem condições de uso por falta de equipamentos — e 64 desocupados (não há pessoal para ativá-los).erca de 8 mil pessoas estão na fila de espera por procedimentos cirúrgicos de alta complexidade em todo o estado, segundo afirmou na Alerj a superintendente de regulação da Secretaria estadual de Saúde (SES), Kitty Crawford. De acordo com ela, 900 pessoas entram por mês no Sistema de Regulação (Sisreg). No entanto, a oferta total de vagas pelo SUS é de 700. Ainda segundo a SES, seriam necessários mais 255 atendimentos por mês para não sobrecarregar o sistema.

De volta ao fim da fila

Teoricamente, segundo a SES, os pacientes que aguardam cirurgias já passaram pela regulação estadual, sendo cadastrados no sistema e encaminhados para algum hospital federal. A partir dessa primeira consulta, o paciente passa a ser um compromisso da unidade que o acolheu. Mas, pela falta de estrutura, ele acaba retornando ao fim da fila.

Outro ponto levantado nas discussões foi o remanejamento de profissionais entre as seis unidades federais. Hoje os hospitais não possuem um setor de recursos humanos, o que dificulta a contratação de médicos e enfermeiros para a rede, agravando os problemas de atendimento.

Em relação às ações que estão sendo tomadas, o Ministério da Saúde informou que no mês que vem o Hospital do Andaraí terá uma nova ala de oncologia. E que as obras do primeiro Centro de Radioterapia da rede federal estão em andamento na mesma unidade, com previsão de inauguração em setembro.

Leia a matéria na íntegra: ‘Virou um grande lixão’, diz deputado federal ao ver aparelho de radiografia em desuso e sala desativada durante vistoria no Inca

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